A Tradução de Hinos – Roberto Torres Hollanda

A Tradução de Hinos
(Especial para Hinologia Cristã)

O caminho da Cruz

Em  2003 escrevi sobre alguns problemas que ocorrem na tradução de hinos (ver: O JORNAL BATISTA, 03 ago 03).

O tradutor deve traduzir o poema, escrito em idioma estrangeiro, para sua língua nativa, o que requer bom conhecimento do vernáculo.

Nesse artigo começo por afirmar que a tradução de William Edwin Entzminger (1859-1930) do hino de Samuel Francis Smith (1808-1895), intitulada “Pátria brasileira” (Cantor Cristão, no. 574), usando a música do hino nacional inglês, encobria e sublimava o seu saudosismo anglo-saxão, nostálgico e ufanista. A música, como escreveu Ivo Augusto Seitz (O JORNAL BATISTA, 06 jul 2003), “recebeu roupa nova para entrar no Hinário para o Culto Cristão (HCC)”. Tratava-se de um hino patriota, que a comissão elaboradora do futuro hinário batista tinha resolvido logo no início do seu trabalho não aproveitar.

Saltou aos meus olhos e ouvidos que a letra de Smith (HCC-600), escrita em 1831 a pedido de Lowell Mason, atenderia ao gosto do povo americano. Por sua vez, Smith foi inspirado por um hino patriota alemão, “Gott segne Sachsenland”, do qual ele suprimiu a estrofe que dizia: “Aqui, não mais haverá tiranos; não mais o nosso sangue será derramado por mãos estrangeiras”. Evidentemente, havia interesse político na divulgação deste hino; Smith tomou emprestado o patriotismo alheio.

Este “hino” fala em “Sweet land of liberty” (doce terra da liberdade), “land of the Pilgrims’ pride” (terra do orgulho dos Peregrinos),”land of the noble free” (terra dos nobres livres); ”I love thy rocks and rills, thy woods and templed hills” (Eu amo teus rochedos e riachos, teus bosques e elevados montes).

Smith exalta o amor aos valores cívicos (família, cidade, nação, liberdade) e às  belezas naturais dos Estados Unidos da América. Entminger prefere exaltar as “matas virginais”, os “rios sem rivais”, os “lindos litorais”, os “maravilhosos bens”, os “belos laranjais”, os “ricos cafezais” e as “riquezas naturais”.

Entzminger omitiu o fato de que o Brasil não era livre, nem forte, nem feliz, não tinha justas leis, os nacionais não tinham proteção contra a corrupção e outros crimes; ainda HOJE não têm!

Os poemas de Smith e de Entzminger não são hinos, mas cânticos cívicos.

Entzminger redimiu-se quando escreveu verdadeira oração (que os Evangélicos do Brasil devem cantar), “Minha Pátria para Cristo!” (CC-439; HCC-603), mais tarde eficientemente harmonizada por Bill Ichter.

Não são os críticos musicais que determinam se a música é aceita por Deus, mas são eles que denunciam a música de origem profana ou política.

O trabalho de tradução dos textos de hinos evangélicos para o idioma português, desde 1861, quando foi publicado o primeiro hinário brasileiro, Salmos e Hinos, sempre foi árduo e problemático.

A ambiguidade e a variação linguística podem subverter o padrão literário dos hinos. O significado das palavras pode mudar de geração a geração, à medida que mudam as sociedades. É muito difícil dar o correto sentido do texto original.

Inclusive cada leitor (ou cantor) pode interpretá-lo de maneira diferente. O tradutor de hinos deve preocupar-se com os termos utilizados e seus significados e sentidos.

Em épocas anteriores à nossa, havia respeito e reverência no canto. Continua muito necessária a observância do vocabulário específico do hino. A ambiguidade pode alterar o sentido do texto. O tradutor e o leitor, ou cantor do texto, de- vem ter em mente que um vocábulo, em 1861 (Salmos e Hinos) tinha um sentido; em 1991 (Hinário para o Culto Cristão), pode ter um outro, muito diferente. Apesar das revisões, alguns hinários preferiram manter até HOJE os vocábulos do passado.

Sara Gonçalves Deval, pesquisadora da USP, realizou um interessante estudo da hinodia evangélica brasileira.

Ela demonstrou que Entzminger conseguiu uma consonância entre o hino “The way of the cross leads home”, de Jessie Brown Pounds, no. 151 do hinário batista da convenção do Sul dos EUA, e o hino “O  caminho da cruz” (Cantor Cristão, no. 306; Hinário para o Culto Cristão, no. 295).

Em seu estudo, expõe alguns exemplos de subversão do texto, por causa da polissemia.

Roberto Torres Hollanda

Brasília, DF, em 16 de maio de 2022. RTH.

Doc.HC-127

© 2022 de Roberto Torres Hollanda – Usado com permissão

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