Os antemas na música dos séculos 16 e 17 – Roberto Torres Hollanda

Os antemas na música inglesa dos séculos 16 e 17
(Especial para “Hinologia Cristã”)

A música sacra inglesa teve sua origem na Reforma Protestante (século 16).

O antema é uma forma de música tipicamente inglesa, para atender as necessidades do culto na liturgia anglicana.

A Igreja da Inglaterra (estatal) sempre prestigiou o antema, colocando em segundo plano a hinodia.

O “Common Prayer Book” (Livro de Oração Comum) foi adotado em janeiro de 1549 pela Igreja da Inglaterra, mas não era do agrado geral; os conservadores não gostaram das mudanças no ritual, e os protestantes julgaram que guardava muitos dos usos da Igreja Romana. Houve uma revisão em 1552, que recebeu a influência da católica rainha Maria (1553-1558) e do protestante Martin Butzer (Bucer) (1491-1551).

Nos hinos foi permitido o uso da língua latina; Tallis escreveu “Jesu Salvator seculi”, “Deus tuorum militum”, “O nata lux de lumine”, “Jam Christus astra ascenderat” e “Salvator mundi Domine”.

Durante 469 anos, têm sido escritos e compostos milhares de antemas; os melhores nos séculos 16 e 17.

Os grandes compositores (Humfrey e Blow) começaram seu treinamento musical na Capela Real ou em algumas catedrais.

A música coral e organística era considerada litúrgica, especialmente na abadia de Westminster e na catedral de Canterbury.

A música coral para uma catedral deveria ser executada por coro profissional masculino (adolescentes, jovens e adultos), nas dioceses da Inglaterra e da Irlanda, de acordo com a tradição vigente. Além das catedrais, havia as capelas universitárias, fundadas em conformidade com os usos musicais anteriores à Reforma Protestante.

Ainda são usadas as fórmulas do primeiro Livro de Oração Comum (1549) e do segundo (1552), atendendo ao caráter nacional inglês.

Samuel Peppys (1633-1703) em 1665 escreveu que um culto bem elaborado seria constituído de “um bom sermão e um vibrante antema”.

No reinado de Eduardo VI (Tudor) (1547-1553) os antemas foram colecionados por John Day, na primeira publicação impressa de música sacra inglesa.

Na época, entre os compositores mais importantes estava Thomas Tallis (1510-1585); escreveu os antemas: “Hear the voice”, “I call and cry”, “If ye love me”, “O Lord, give thy Holy Spirit”, “O Lord, in thee is all my trust”, “Remember not, O Lord” e “This is my commandment”.

Depois da católica Mary I (rainha de 1553 a 1558) subiu ao trono inglês a protestante Elizabeth I (1558-1603), quando foi restaurada a supremacia da Coroa sobre a Igreja, anuladas todas as leis marianas sobre matérias religiosas.

Robert White (1530-1574), mestre de coro na abadia de Westminster, escreveu o antema “O praise God in his holiness”.

Richard Farrant (? – 1581) compôs os antemas “Call to remembrance”, “Hide not thou thy face” e “When as we sat in Babylon”, alguns dos mais belos no repertório da música sacra inglesa.

William Byrd (1543-1623), além de importantes obras eduditas, escreveu os antemas “Bow thine ear”, “Praise our Lord, all ye Gentiles”, “Sing joyfully”, “Sing we merrily” e “Turn our captivity”.

Thomas Tomkins (1572-1656), pupilo de Byrd, escreveu os antemas “Above the stars my saviour dwells”, “Almighty God”, “Be strong and of good courage” (para a coroação de Jaime-Tiago I (Stuart), em 1603), “Behold I bring you glad tidings”, “Great and marvellous”, “O God, wonderful art thou”, “O Lord, grant the king a long life” (para a coroação de Carlos I em 1625, que em 1649 foi executado) e “O praise the Lord, all ye heathen”.

O escocês Jaime-Tiago I (Stuart) realizou em 1603 a união da Inglaterra e da Escócia.

Thomas Weelkes ( ? -1623) foi um dos mais importantes músicos do começo do século 17; escreveu os antemas: “Hosanna to the Son of David”, “O how amiable”, “O Lord, grant the king a long life”, “O Lord, how joyful is the king”, “Plead thou my cause” e “Sing my soul”.

Orlando Gibbons (1583-1625) compôs principalmente “verse anthems”; em 1623 tornou-se organista da abadia de Westminster; escreveu os antemas “Behold, thou hast made my days”, “O God, the king of glory”, “O Lord, in thy wrath” e “This is the record of John”.

No período entre o fim do século 16 e a Guerra Civil (1642-1649) apareceram compositores menores de música-de-igreja.

Adrian Batten (? – 1637) escreveu antemas simples: “Deliver us, O Lord our God” e “Haste thee, O God”.

De Nathaniel Giles ( ? – 1634) são: “God which as at this time” e “O give thanks”.

De Edmund Hooper (1553-1621), “Behold it is Christ”, é uma obra original.

“Sing joyfully”, de John Mundy (? – 1630) é um belo “verse anthem”, com admirável técnica instrumental.

 Depois do governo republicano de Oliver Cromwell (1599-1658), que tinha interesse pela música, em 1660 ocorreu a restauração da monarquia pela dinastia Stuart.

Entre 1660 e 1675 surgiu na Inglaterra o estilo barroco. Por volta de 1660, Henry Cooke (? – 1672) teve excepcional oportunidade como instrutor de meninos cantores da Capela Real, nos serviços dominicais, para ensinar canto a Humfrey e Blow, e aos futuros compositores menores Wise, Tudway e Turner.

Cooke em 1660 escreveu o antema “Behold, O God, our defender” para uma solenidade de coroação.

Pelham Humfrey (1647-1674) compôs o excelente “By the waters of Babylon”; foi o mais significativo compositor do período e contribuiu para a carreira de Purcell.

John Blow (1649-1708), numa época revolucionária, escreveu, para a coroação em 1685 de Jaime Tiago II Stuart (“God spake sometime in visions”); para a de Guilherme III (Stuart) em 1689, “The Lord God is a  sun and shield”: são obras majestosas, além de 15 motetos.

Em 1707 formou-se o Reino Unido.

Thomas Tudway (1650-1726) escreveu “I will lift up mine eyes”, “I will sing unto the Lord”, “Is it true that God will dwell”, “My heart rejoiceth”, “Sing, O heavens”.

A mais importante composição de William Turner (1651-1740) foi o antema “The king shall rejoice” (quase uma cantata), para a coroação de Guilherme III (Stuart) em 1689.

Fechando o século 17, Henry Purcell (1659- 1695), pupilo de Humfrey e Blow, que escreveu, pelo menos, 15 antemas; destaco “Hear my prayer” e “Remember not, Lord, our offences”. Purcell compôs “My heart is inditing” para ser usado por sopranos, contraltos, tenor e baixos, alternando o estilo polifônico e o estilo homófono, na coroação em 1685 de Jaime Tiago II (Stuart).

O estilo barroco de Purcell teve uma distância de 30 anos em relação ao de J.S.Bach. O antema (de 1690) prenunciava a cantata (de 1720). Em ambos significava uma oportunidade para pesquisas.

Purcell, além de compositor, era organista e violinista; seu estilo foi-se aproximando do profano.

Daí, começou a decadência estilística do antema inglês.

Para escrever este artigo, ouvi alguns antemas. Desde 1981 venho construindo meu acervo. Na minha discoteca possuo 26 gravações; de Byrd (4), de Gibbons (11), de Purcell (8), de Tallis (1) e de Weelkes (2). Eis minhas impressões: BYRD – “O God, the proud are risen” – é dramático;

  •  “Sing joyfully unto God” – é exultante. GIBBONS – “Behold, thou hast made my days” (1618) – obra de grande pungência;
  •  “Blessed are all They fear the Lord” (1613) – ambicioso, convoca sete solistas vocais;
  •  “Glorious and powerful God” – contém adornos nas partes solistas;
  •  “Hosanna to the Son of David” – usa passagens dos Evangelhos de Mateus Lucas;
  • “O Lord, in thy wrath” – é um belo antema penitencial;
  •  “This is the record of John” mais uma vez, usa passagem do NT.
  • PURCELL – “Blow up the trumpet in Sion” – (1679) – na juventude, deve ter sido inspirado pela música italiana;
  •  “My heart is inditing” – antema composto em 1685 para a coroação de Tiago-Jaime II, aproxima-se de uma cantata-coral.
  • “Praise the Lord, O Jerusalem” – (1698) – algo dramático;
  •  “By the waters of Babylon” – antema cheio de verdade dramática e de uma bela declamação.
  • WEELKES – “Hosanna to the Son of David” – é sua obra-prima, que repete o texto de Gibbons; é é uma saudação ao rei Tiago-Jaime I; estilo exuberante;
  •  “O Lord, grant the King a long life” – antema propositalmente magnífico, para saudar e abençoar o rei Tiago-Jaime I.

O “Cantor Cristão” (2007) e o “Hinário para o Culto Cristão” (1990) não  contemplaram nenhum compositor de antema.

Brasília, DF, 03 de outubro de 2021.

Roberto Torres Hollanda.

“Culto bem elaborado seria constituído por “um bom Sermão e um vibrante antema”

© 2021 de Roberto Torres Hollanda – Usado com permissão
Doc.HC-116

 

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