Simplicidade e Sinceridade – Eduardo Lakschevitz
Este é o relato de uma experiência marcante. Desses presentes que de vez em quando recebemos sem esperar. Um momento que fica gravado na memória. Poucos minutos onde nossa reflexão é provocada, sem expectativa ou preparação, onde nossa aprendizagem se dá pelo observar e pelo sentir, sem professor, escola ou livro.
Num domingo pela manhã, em outubro de 2014, a Igreja Batista Itacuruçá homenageou Bill Ichter, músico e pastor que lá trabalhou por vários anos. Foi uma manhã emocionante, que guardo em cores e sons até hoje. Já me seria um evento especial simplesmente por tratar-se de um amigo de meus avós e meus pais, de quem ouvi falar, desde a infância, como exemplo de dedicação e competência no trabalho da música na igreja. Mas aquela manhã me reservava algo a mais.
Durante o culto, representantes de várias organizações da Igreja e da Associação dos Músicos Batistas Cariocas lhe prestaram carinhosas homenagens, lembrando de suas muitas realizações, dos projetos que iniciou e das marcas que deixou. Também foram
frequentes as alusões à sua paixão futebolística pelo Vasco da Gama (provando, mais uma vez, que piadas perdem seu efeito quando repetidas em sequência).
Quando, enfim, lhe foi franqueada a palavra, percebeu-se um homem de idade avançada, absoluta lucidez, simpatia, enorme carisma, aguçado senso de humor e grande musicalidade. Mais que isso, em cada expressão sua sentia-se o amor pelas pessoas deste País, o orgulho de ter vivido aqui e o prazer de cultuar num lugar que ajudou a construir. E aí minha “viagem” se iniciou. Bill podia, imagino eu, observar o seu legado: a igreja com a qual colaborou tão intensamente continuava ali, viva, vibrante, com brilho nos olhos. É claro que toda igreja é (ou deveria ser) uma coletividade. Liderá-la, em qualquer área, não significa estar acima do bem e do mal, mas sim apontar caminhos a ser trilhados pelos que dela participam. Então, observar um legado não traduz orgulho vazio de si mesmo. Mais que isso, é olhar, sentir, respirar com calma e ter a certeza que ajudou pessoas, que as empoderou para que elas mesmas realizassem seus feitos. No caso do Bill, então, ficava fácil imaginar quão prazerosa eram aquela visita e os reencontros que se sucediam. É o prazer na alteridade.
Todos nos envolvíamos pela simplicidade e sinceridade de suas palavras, sem gritos, instruções veementes ou comoção provocada. Naquele culto, um dos temas mais sensíveis da atualidade era exemplificado naturalmente: o coletivo. Como é bom ver
um líder que entende sua função como um meio e não um fim em si mesma. Bill não veio dizer o que se deve fazer e nem como se deve fazer; apenas trouxe suas experiências e histórias, narradas com o sotaque peculiar que nunca lhe abandonou, o suficiente para nos fazer refletir sobre nós mesmos, sobre nossa relação com Deus e com os outros.
O último hino daquele culto foi Maravilhosa Graça, feliz conjunção de música e letra que a igreja canta com enorme alegria e prazer. Mas antes da estrofe final, o pastor interrompeu a cantoria. Solicitou ao regente congregacional que desse vez ao próprio
homenageado, para que este dirigisse a congregação, como muitas vezes fizera.
Caminhando com certa dificuldade, Bill se aproximou do púlpito, mas sem se postar atrás dele. Apenas apoiou um de seus braços, para melhor se equilibrar. Olhou a congregação, que podia, por sua vez, olhá-lo de corpo inteiro, numa atitude de total entrega aos que ali estavam, numa clara demonstração de liderança focada nas pessoas, e não no próprio líder. Sua regência não dizia respeito a si mesma. Era apenas um instrumento que ajudaria as pessoas a cantar juntas, que indicaria um caminho a ser percorrido. Ele foi um inspirador.
Antes de começar, olhou para a congregação e disse: “Gostaria que cantássemos essa última estrofe como fizemos em 1960, na Aliança Batista Mundial no Maracanã, que estava lotado. Somente as vozes, sem acompanhamento”. Então, sem levantar ou impostar a voz, dispensando o microfone, e usando apenas uma das mãos, fez um sinal para as pessoas, reiniciando a cantoria.
A partir desse momento, o som que encheu cada centímetro quadrado daquele santuário ainda está vivo na minha mente, e é indescritível em palavras. Era forte, afinado, brilhante, preciso, articulado, emocionante… Mas nenhum desses adjetivos é capaz de traduzir a energia que tomou conta daquele lugar, e que nunca me sairá da cabeça. Com os olhos cheios de lágrimas, olhei ao redor, e percebi a mesma alegria e a intensidade em todos à minha volta. À frente, com um sorriso no rosto, ao mesmo tempo inspirando e contemplando aquela realização coletiva e humana, estava o regente Bill Ichter.
Foi assim a experiência marcante de que falei acima. Ouvi aquela congregação num dia em que sua música soou de um jeito que nem consigo descrever, pois foi liderada sem qualquer artifício e com extrema simplicidade.
Atualmente fala-se muito sobre o tema Liderança. São comuns cursos, palestras e literatura sobre o assunto. Discute-se ser inata ao ser humano ou algo que pode ser ensinado. Procura-se paralelos criativos no mundo dos esportes, nas artes e até no militarismo. Tudo isso com o objetivo de ensinar pessoas a liderar. Mas naquele domingo fui lembrado que isso não se ensina… se aprende! Foi preciso a visita, para mim inesperada, de um senhor da Louisiana para nos lembrar a todos, mais uma vez, que liderança não se exerce pelo volume alto, pela exibicionismo técnico, pelo gesto ornamentado, pela “pompa e circunstância”, pela formalidade excessiva ou por falta dela. Ao contrário, valem muito mais a simplicidade e a sinceridade.
16 de novembro de 2016
© 2016 de Eduardo Lakschevitz – Usado com permissão
Que história!!
Bill, que o Eterno conserve sempre assim, servo e diligente na obra do Senhor!!
Que história!!
Bill, que o Eterno conserve sempre assim, servo e diligente na obra do Senhor!!
Que linda história!!! E o hino Maravilhosa Graça é um dos mais conhecidos. Muito bom.
Labutei por
35 anos no Brasil. Estas palavras de o Dr. Eduardo, me tocaram no fundo do meu coracao
Minha Solidariedade.
Um exemplo de vida e admirado.
Era jovem ainda quando no Estádio Mário Filho participei do Grande Coral.
A regência do Coral marcou muito pois diante da imensidão de cotistas 10.000 apenas o braço direito. Lembro também uma visita num domingo a noite em Santa Cruz a então Congregação da Igreja Batista Memorial de Tijuca.
Hoje, Igreja Batista Alvorada
Av. João XXIII, 2435
Ano 80
Aleluia!