Hinário para o Culto Cristão – Rolando de Nassau

Os Batistas no Brasil estamos contentes, depois de um longo percurso, com a chegada do “Hinário para o Culto Cristão” (HCC).

Em 1924 um avanço tecnológico na oficina gráfica da Casa Publicadora Batista permitiu a Ricardo Pitrowsky (1891-1965) concretizar o acalentado sonho da primeira edição do “Cantor Cristão” (CC) contendo partituras.

Três décadas de monotonia positivamente indicaram aos observadores do nosso canto congregacional a necessidade de ser renovada a hinodia; negativamente, fizeram surgir os chamados “corinhos” (que não deixaram de proliferar até os nossos dias), como resposta aos anseios das congregações.

Já em 1956 escrevíamos: “Os entendidos no assunto – poetas, músicos e teólogos – deveriam fazer uma revisão do ‘Cantor Cristão’, com o objetivo de expurga-lo de todos os defeitos de métrica, composição e doutrina” (ver: O JORNAL BATISTA, 01.03.1956, p.07).

Na década de 50, as lideranças musicais de várias denominações evangélicas sentiram a necessidade de uma renovação da hinodia brasileira. Em 1954, os Darbistas, sob a orientação de Stuart E. McNair, tinham publicado a terceira edição musicada de “Hinos e Cânticos”. Entre os Luteranos da Confissão de Augsburg (Sínodo de Missouri), graças aos esforços de Rodolpho Hasse, em 1956 tinha feito uma revisão no “Hinário Evangélico Luterano”. Nessa mesma época, os Luteranos da Federação Sinodal preparavam a coletânea “Hinos Evangélicos”, substituída em 1981 pela  coletânea “Hinos do Povo de Deus”.

Em nosso livro “Introdução à Música Sacra”, lançado no Rio de Janeiro em agosto de 1957, entre as medidas indispensáveis à melhoria da música das igrejas evangélicas no Brasil sugerimos a revisão dos hinários por elas então adotados. Na Igreja Episcopal, em 1958 Jaci Correia Maraschin propugnava pela elaboração de um hinário para a sua denominação no Brasil (ver: ESTANDARTE CRISTÃO, jan/1959, p. 08). Ainda em 1958, a Confederação Evangélica do Brasil publicava a quinta edição do “Hinário Evangélico com Músicas Sacras”, que tinha sido elaborada durante longo período por Antônio de Campos Gonçalves, e os Congregacionalistas cuidavam da revisão do seu hinário, e para isso tinham criado uma Comissão (Jonathas Thomaz de Aquino, Manoel da Silveira Porto Filho, Henriqueta Rosa Fernandes Braga, Nathaniel Biato e Remígio de Cerqueira Fernandes Braga), que, em 1959, fez uma tiragem revista da quarta edição de “Salmos e Hinos com Músicas Sacras” (1919).

E os Batistas? Obviamente, imaginávamos que a Denominação estava amadurecida para dar vez e voz aos poetas e compositores brasileiros.

Conforme registrou Joan Larie Sutton, em sua mensagem oficial à Convenção em Niterói, “houve uma tentativa de revisão do ‘Cantor Cristão’, em 1958, rejeitada pela Assembleia da Convenção, em 1962” (ver: O JORNAL BATISTA, 17.02.91, p. 05). Com efeito, depois de ouvir o relatório da Comissão (Manoel Avelino de Souza, Ricardo Pitrowsky, Moisés Silveira e Alberto Portela), que trabalhou durante muitos anos, a CBB, em sua assembleia anual, em janeiro de 1958, determinou que fosse preparada uma edição especial da Nova Revisão do CC. Para estudos…

Deveriam passar 47 anos depois da primeira edição musicada por Ricardo Pitrowsky e 13 anos depois da publicação da Nova Revisão de Avelino…

Até que, finalmente, em 1971, nova Comissão (Werner Kaschel, José dos Reis Pereira e Mário Barreto França) apresentou à Denominação o CC em sua 36.ª edição, com as músicas devidamente corrigidas por Bill H. Ichter. Nos últimos 20 anos algumas igrejas batistas foram perdendo o seu primeiro amor pelo CC…

A edição de 1971 também não nos satisfazia, e passamos a pedir, em 12 artigos, pelo menos, um suplemento ao CC ou a edição de um hinário alternativo, com a contribuição predominante de hinógrafos brasileiros (ver: O JORNAL BATISTA, 12.12.76, 09.01.77, 29.08.82, 07.10.84, 04.01,87, 05.04.87, 26.07.87, 20.12.87, 14.08.88, 20.11.88, 27.11.88, 22.01.89), apesar de ter a comissão, que deu parecer sobre o relatório anual da JUERP, na assembleia convencional de janeiro de 1979, reunida na IB em Vila Mariana, opinado pela preservação da “herança musical”…(ver: O JORNAL BATISTA, 17.06.79, p. 02).

No Congresso Nacional de Educação Religiosa, realizado em 1985 no Rio de Janeiro (RJ), foi recomendado à JUERP e a Clint Kimbrough a produção de um hinário, além do atual CC (ver: O JORNAL BATISTA, 01.12.85, p. 02). Depois da edição de 1971, foi necessário esperar 20 anos pelo hinário com que sonhávamos: um hinário brasileiro.

Um outro avanço tecnológico (a implantação da Informática na JUERP), nas mãos habilidosas de Elias Borges de Athayde, possibilitou a Clint Kimbrough mediar perante Joaquim de Paula Rosa, dinâmico Executivo de nossa editora denominacional, a confecção, em tempo recorde (menos de cinco anos), do novo hinário, entregue à extraordinária capacidade de Joan Larie Sutton, que foi o elemento catalisador dos talentos musicais nativos e alienígenas.

Um dos mais importantes acontecimentos na história dos Batistas no Brasil, o lançamento, em janeiro de 1991, do HCC será objeto de comentários críticos, que poucos sentir-se-ão dispostos a fazê-los.

Deixamos para os técnicos em artes gráficas a apreciação das características físicas do livro (formato, peso, qualidade do papel, tipos de impressão), mas devemos observar que os pentagramas foram impressos com linhas muito finas e claras, o que poderá trazer dificuldade aos instrumentistas na leitura das partituras.

A ficha catalográfica informa que o hinário foi preparado “para cântico congregacional”. O uso do termo “cântico” acompanha um equívoco generalizado e frequente. “Cântico” é hino, ode ou poema religioso. “Canto” é a execução de um cântico, por meio de voz solista ou de conjunto de vozes (coro – canto coral; congregação – canto congregacional). A ficha deve ser corrigida: “para canto congregacional”.

Na Apresentação, Joaquim de Paula Rosa, Superintendente Geral da JUERP, esclarece que o hinário destina-se “ao povo de Deus de fala portuguesa”, obedecendo à exortação do salmista (Sl 96).

Ainda não temos condições de avaliar até que ponto o HCC é apropriado à obra missionária e respeita as características étnicas dos povos de língua portuguesa alcançados por nossos missionários no Exterior. O HCC ultrapassará as fronteiras do Brasil e será usado por esses povos? A música produzida na comunidade batista tem influenciado a sociedade brasileira e as nações de língua portuguesa? A música que executamos em nossas igrejas tem alterado o comportamento social em nosso bairro, em nossa cidade, em nosso estado, em nosso país? Ou é a música profana, executada no rádio e na televisão, nos lares e nos logradouros públicos, que tem alterado o gosto musical em nossas igrejas? (ver: O JORNAL BATISTA, 20 e 27.11.88, p. 02).

No Prefácio, Joan Larie Sutton, Coordenadora Geral da Comissão do HCC, muito bem ponderou que um hinário é uma coletânea de cânticos que, “além de refletir quem somos, indica o estágio em que nos encontramos…prevê quem seremos…O formato, o estilo e a disposição do conteúdo de um hinário definem os dias e a época de seu uso”.

O conteúdo propriamente hinódico do “Hinário para o Culto Cristão” (HCC) compreende 441 hinos e distribui-se por dez seções: Deus Triúno, Deus-Pai, Deus-Filho, Deus-Espírito Santo, a Palavra de Deus, Culto, Vida Cristã, Igreja, Vida Futura e Assuntos Especiais. Houve evidente progresso em relação ao “Cantor Cristão” (CC), cujo conteúdo não foi organizado em seções e por isso ficaram os hinos de um mesmo assunto precariamente agrupados através do hinário.

A disponibilidade de informações de interesse hinológico é outra característica do HCC que o coloca entre os melhores hinários da atualidade. A disposição das informações foi sistematizada, o que facilita a consulta. Sempre no alto da página encontramos a seção, o assunto, o número e o título do hino. Quase sempre, os títulos repetem as primeiras linhas dos hinos. Logo abaixo do título, uma passagem bíblica (extraída da Versão Revisada, publicada em 1986 pela Imprensa Bíblica Brasileira) apropriada à letra do hino. No pé da página,  aparecem as informações referentes ao autor e tradutor da letra, compositor e arranjador da música, com as respectivas datas de elaboração ou publicação, bem como o nome da melodia, a métrica do hino e a nota de permissão do detentor dos direitos autorais (copyright) para aproveitamento do hino no HCC.

Foram escolhidas as tonalidades mais acessíveis, na busca de uma tessitura mais confortável às vozes da congregação, e assinaladas as introduções dos hinos, com o propósito de tornar mais entrosado o trabalho do líder-do-canto-congregacional e dos instrumentistas.

Uma característica inovadora do HCC é a inclusão de “leituras escriturísticas”, para uso individual ou coletivo, em forma uníssona, responsiva, alternada ou antifonada, cantadas ou faladas. O uso dessas “leituras” deve ser criterioso, para não ocorrer nos cultos de nossas igrejas um prurido litúrgico. Essas leituras poderão levar a rituais, e ao consequente chorrilho de ritos particulares.

Enquanto o CC oferece apenas oito índices (autores, tradutores, fontes das letras; compositores, adaptadores e fontes das melodias; métrica; melodias; assuntos; estribilhos; primeiras linhas dos hinos; doxologias, responsórios e finais) para auxiliar o seu usuário, o HCC apresenta doze (em ordem alfabética, assuntos e textos bíblicos das leituras; versículos, melodias; métricas; tonalidades; autores, tradutores e fontes das letras; compositores, arranjadores e fontes das melodias; assuntos e ordem alfabética dos hinos; além de um índice comparativo do CC com o HCC) numa apresentação gráfica muito mais confortável à vista do leitor.

Sem dúvida, o HCC coloca-se, por suas características, entre os melhores da atualidade.

A Comissão do HCC fez uma excelente seleção de compositores eruditos alemães, que musicaram hinos medievais (“Salve caput cruentatum”, “Gloria, laus et honor”) e protestantes (“Nun danket alle Gott”, “Gott is gegenwärtig!”, “Wer nur den lieben Gott lässt walten”, “Wir pflügen und wir streuen den Samen auf das Land”). Johann Sebastian Bach, Johann Crüger, Johann Georg Ebeling, Carl Gotthelf Gläser, Georg Friedrich Haendel, Hans Leo Hassler, Conrad Kocher, Martin Luther, Felix Mendelssohn, Joachim Neander, Georg Neumark, Johann Abraham Peter Schulz e Melchior Teschner.

Mas tropeçou ao incluir no HCC (nº. 60) a música que Ludwig Van Beethoven elaborou para acompanhar o poema profano “An die Freude”, de Johann Friedrich Schiller, cantado por coro na conclusão da Sinfonia nº. 9. Um exemplo de música falsificada que entra sutilmente no novo hinário batista, que nisto foi precedido por “Salmos e Hinos com Músicas Sacras” (nº. 70).

Os outros compositores eruditos são: Franz Xaver Gruber, Johann Michael Haydn, Edward Kremser e Franz Schubert (austríacos); Mark Andrews, Joseph Barnby, William Sterndale Bennett, Josiah Booth, Benjamin Carr, William Croft, William Hayman Cummings, John Darwall, John Bacchus Dykes, George Job Elvey, David Evans, Henry John Gauntlett, John Goss, Gustav Holst, Edward John Hopkins, Robert Jackson, William Knapp, Frederick Charles Maker, Arthur Henry Mann, William Henry Monk, Joseph Parry, Albert Lister Peace, Alexander Robert Reinagle, Edward Francis Rimbault, Martin Fallas Shaw, Henry Thomas Smart, John Stainer, Arthur Seymour Sullivan, Ralph Vaughan-Williams e Samuel Sebastian Wesley (ingleses); Louis Bourgeois e Théodore Dubois (franceses); Felice de Giardini e Giovanni Pierluigi da Palestrina (italianos); Johann Georg Nageli (suíço) e Dimitri Stepanovich Bortniansky (russo).

Entre os compositores evangélicos latino-americanos (ver: O JORNAL BATISTA, 04.02.90, p. 02) encontramos o dominicano Rafael Grullón e o argentino Pablo Sosa.

A grande contribuição do HCC para a renovação da hinodia brasileira está na participação de novos (nascidos depois de 1950) compositores brasileiros: Ossimar Martins Alves, Jilza Feitoza de Araújo, Nelson Marialva Bomilcar, Jorge Geraldo de Camargo Filho, Mônica Coropos, Antônio de Azeredo Coutinho, Joaquim Paulo de Espírito Santo, Mônica dos Santos Freitas Ferreira, João Soares da Fonseca, Marcos Bernardes Gatz, Verner Geier, Roselena de Oliveira Landenberger, Décio Emerique Lauretti, Aristeu de Oliveira Pires Júnior, Jorge Rehder, Hiram Simões Rollo Júnior, Flávio Santos e Selene de Souza.

Agradou-nos, sobremaneira, a decisão da Comissão de substituir a melodia folclórica maori pela música de Roselena de Oliveira Landenberger para acompanhar a letra de James Edwin Orr, traduzida por Werner Kaschel, do hino “Sonda-me, ó Deus” (n.º 578-CC e nº. 279-HCC); a melodia foi por nós criticada no artigo n.º 365 (ver: O JORNAL BATISTA, 21.06.87).

Aplaudimos a inclusão, por nós sugerida (ver: O JORNAL BATISTA, 27.05.90) de “Negro Spirituals” no HCC: nº. 94 – “Go, Tell It on the Mountain” (nº. 82 – “Baptist Hymnal”) e nº. 567 – “In Christ There Is No East or West” (nº. 258 – “Baptist Hymnal” (1975).

Além de Edith Caroline Ayers Allen, foram aproveitados hinos compostos por missionários americanos que também fizeram parte da Comissão do HCC: Janelle Ganey, David William Hodges, William Harold Ichter, Ralph Manuel e Joan Larie Sutton.

Supomos que a Comissão não teve tempo suficiente para identificar os compiladores de 11 hinários e indicar a origem de 35 melodias; cremos que isso será feito no volume de notas históricas do HCC.

Atendendo a argumentos ponderosos, a Comissão não aproveitou no HCC hinos nacionais, de uso anglo-americano e germano-austríaco, que constam no CC (n.ºs 6 e 574; n.º 258, respectivamente) e do “Baptist Hymnal” (n.ºs 148 e 511); nem mesmo o Hino Nacional Brasileiro.

Cabe aos musicistas apontar as inovações melódicas, rítmicas e harmônicas introduzidas no HCC, e aos beletristas avaliar as alterações das letras dos hinos, e aos teólogos examinar o seu conteúdo doutrinário. Tudo isso com o propósito de tornar o nosso culto espiritual e verdadeiro, emotivo e racional.

Rolando de Nassau

(Publicado em “O Jornal Batista”, 28.04.91, p. 2 / 12.05.91, p. 2)
Música –  N.º 484 / 485
© 1991  Rolando de Nassau – Usado com permissão