Carta de Sarah Poulton Kalley narrando uma visita do Imperador Dom Pedro II
Homenagem Hinologia Cristã ao Bicentenário de nascimento de Dom Pedro II e Sarah Poulton Kalley
Carta de Sarah Poulton Kalley narrando uma visita do Imperador
(…) na terça-feira, dia 28, e antes das 8 da manhã (passei boa parte da noite acordada por causa de Roberto, para cuidar dele), eu estava me arrumando, ajeitando meu cabelo, quando escuto um homem correndo e dizendo: “Como?” Era alguém avisando que Dom Pedro II queria falar com Roberto, “Impossível”, eu respondi. “Ele não vai mandar um mensageiro desses”. Nesta altura Marianne voltou para dizer que o Imperador estava subindo a ruazinha que leva à nossa casa! Eu lhe disse que ela mandasse Jacinto às pressas para dizer que Roberto estava muito doente, de cama, e que, não fosse isso, iria atendê-lo prontamente. Continuei a me arrumar, mas fiquei tão nervosa! Dois minutos depois alguém vem correndo – é Marianne gritando, – “Sra., por favor. O Imperador está aqui – ele está na varanda.” “Vai você para lá agora mesmo – ele entende inglês – e explique tudo”, eu disse a ela. Corri para me vestir e me aprontar, e em dois ou três minutos Marianne voltou, escancarando a porta do quarto. Escutei os passos de um homem, entrando em casa. Mais três minutos, e lá estou eu, na sala, não muito bem arrumada, devo dizer, mas perfeitamente calma – aparentemente! Nós duas fizemos uma reverência profunda. (…) O Imperador fez um levíssimo gesto, como se estivesse me oferecendo sua mão para eu beijá-la. Mas eu sei que as inglesas não fazem isso, e eu também não o fiz. Então eu lhe disse mais ou menos assim: “Meu esposo está muito doente, acamado mesmo, e é impossível que ele tenha a honra de receber…” E me veio aquela dúvida… “O que é que eu digo agora? “Vossa Majestade” ou “Vossa Alteza Imperial”? Na dúvida eu disse somente “o senhor”, e nada mais. Temo que tenha sido muito mal-educada! Mas eu não tinha como fazer. Se eu pudesse ter me lembrado do português, eu teria sabido o que dizer, mas a gente nem sempre consegue pensar nestes momentos – quando a gente quer. Ele parou por um momento antes de responder e, depois, falou num inglês perfeito… Ai! Ai! como eu fiquei nervosa, pensando naquilo que ele ia dizer – e naquilo que eu talvez dissesse para ele – e naquilo que Robert estava pensando, ali no quarto, deitado, escutando tudo que se passava! Disse ele: “Eu tenho ouvido que seu esposo tem… viajado muito, e eu queria falar com ele acerca de suas viagens.” Papai, o senhor consegue imaginar como dentro de meu coração, eu suspirei, aliviada, naquele momento? Eu disse não sei o quê… algo sobre Robert e o prazer que ele teria, caso estivesse com saúde… E nós duas nos curvamos perante ele de novo. Com isso, Sua Majestade volveu-se para os quadros, aquarelas, na parede da sala – de fato, ele estava examinando-os quando eu entrei na sala. São aqueles quadros pintados pelo Sr. Woolnooth – e ele perguntou de onde eram, e o nome do artista daquele quadro da planície de Babbicombe, e com as lindas cores do mar. Ele perguntou: “Tem um álbum das viagens de seu esposo?” Eu disse que não, mas depois lembrei que algumas pessoas importantes daqui tinham visto algo, e que talvez tivessem mencionado tal coisa… então abri o baú para tirar os álbuns. Mas Sua Majestade fez isso para mim, com aquela cortesia de cavalheiro. Ele os abriu e disse: “Tenho este livro. Seu esposo não tem nada escrito, nada publicado sobre suas viagens?” Claro que eu disse que não, e dentro de poucos minutos, ele pegou seu chapéu, repetimos nossas reverências, e ele se foi! Robert, coitado – suas dores haviam piorado – perguntou: “Você tem certeza que não foi um sonho, pois minha cabeça está doendo tanto?” De fato, parecia muito mais com sonho do que realidade.
Sarah Poulton Kalley (correspondência de 07 de março de 1860)
Colaboração: Douglas Nassif Cardoso
CARDOSO, Douglas Nassif. Sara Kalley: missionária pioneira na evangelização do Brasil, p. 169-172.

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