Júlio César Ribeiro Vaughan (1845-1890)

Biografia

Júlio César Ribeiro Vaughan

Júlio Ribeiro – IA

É fato conhecido que vários protestantes brasileiros deram contribuições significativas à cultura nacional. Vale lembrar, apenas entre os presbiterianos, os nomes de matemáticos, gramáticos, filólogos, autores de livros didáticos e catedráticos como Antônio Bandeira Trajano, Eduardo Carlos Pereira, Otoniel Mota, Erasmo Braga, Lívio Teixeira, Henrique Maurer Júnior e Isaac Nicolau Salum, entre outros. Quase todos esses foram pastores, ou seja, indivíduos fortemente envolvidos com o ministério e a igreja. Todavia, houve outros personagens cuja atividade principal se deu no âmbito secular, mas tiveram importantes ligações com o movimento evangélico. Um deles foi o filólogo, jornalista e romancista Júlio Ribeiro (1845-1890), patrono da Cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras, cujos breves 45 anos de vida foram marcados por fortes contrastes. Os textos a seu respeito pouco ou nada falam sobre sua experiência religiosa ou mencionam que foi tradutor e compositor de hinos.

Seu nome completo era Júlio César Ribeiro Vaughan, sendo filho de uma brasileira, Maria Francisca Ribeiro, e de um norte-americano, George Washington Vaughan. Natural de Sabará, Minas Gerais, onde nasceu em 16 de abril de 1845, na juventude estudou na Escola Militar do Rio de Janeiro (1862-1865). Em seguida dedicou-se ao magistério, inclusive na Fazenda Caieira, em Taubaté, no Vale do Paraíba. Nessa época, entrou em contato com missionários presbiterianos, entre os quais o Rev. Francis Schneider, que lhe falou do evangelho. Em 11 de dezembro de 1869, escrevendo da referida fazenda a esse ministro, chamou-o de “meu pai em Jesus Cristo” e afirmou: “A minha fé se robustece de dia em dia. Sinto encher-se de gozo inefável o vácuo que me desconsolava o peito; não sei que voz interna me diz ser eu um dos chamados, e um dos escolhidos”.

Foi rápido o seu progresso na carreira evangélica. Em 17 de abril de 1870, o Rev. George Chamberlain o recebeu por profissão de fé e batismo na ainda recente Igreja Presbiteriana de São Paulo. Poucos meses depois, em 1º de agosto, a convite de Chamberlain, tornou-se o primeiro professor contratado da incipiente Escola Americana, embrião do Mackenzie College. Em 2 de outubro, sua mãe, professora Maria Francisca, também foi admitida à comunhão presbiteriana, estando presente o Rev. Schneider. Nessa ocasião, Júlio apresentou ao batismo seu escravo menor Joaquim, responsabilizando-se por sua educação cristã. Mais tarde, deu-lhe carta de alforria, bem como à mãe dele, que também havia aceitado o evangelho.

No início do ano seguinte, o jovem professor transferiu-se para Sorocaba, onde, no dia 4 de fevereiro de 1871, o Rev. Chamberlain oficiou o seu casamento com Sofia Aurelina de Souza Bertoldo, membro da primeira família que abraçou a fé evangélica naquela cidade paulista. Nessa época, Júlio mostrou-se muito comprometido com a nova fé e chegou a ser candidato ao ministério pastoral. Colaborou com o jornal Imprensa Evangélica, pregou em muitos locais e acompanhou os missionários e pastores em várias viagens evangelísticas. Em 1876, transferiu residência para Campinas, onde lecionou no Colégio Internacional. Auxiliou o Rev. John Boyle na revisão do hinário Hinos Evangélicos e Cânticos Sagrados e traduziu dois volumes da História da Reforma do Décimo Sexto Século, de J. H. Merle D’Aubigné. Compôs ou traduziu as letras de alguns hinos sacros, como o conhecido “Quero estar ao pé da cruz”.

Em Campinas, sua fé veio a arrefecer e ele se tornou livre pensador, racionalista e agnóstico. Segundo alguns contemporâneos, a morte da esposa e de um filhinho o teriam deixado revoltado contra Deus. Em 1881, residindo na cidade de Capivari, casou-se com Belisária Amaral, que mais tarde se tornou uma crente dedicada. Ao longo dos anos, desenvolveu notável atividade intelectual. Dedicou-se em especial ao jornalismo, tendo sido proprietário e diretor de diversos periódicos: O Sorocabano, A Procelária, O Rebate. Colaborou com O Estado de S. Paulo, Diário Mercantil, Gazeta de Campinas e Almanaque de São Paulo, nos quais deixou estudos de filologia, arqueologia e cultura em geral. Publicou as obras Gramática portuguesa (1881) e Cartas sertanejas (1885). Republicano convicto, foi o autor da bandeira do Estado de São Paulo (1888), que pretendia fosse a bandeira do Brasil.

Seus dois livros mais importantes são também emblemáticos das duas fases da sua vida religiosa. O belo romance histórico Padre Belchior de Pontes (1876-1877), escrito em Sorocaba e tendo como pano de fundo a Guerra dos Emboabas, evidencia a sua fé evangélica pela maneira como o plano da salvação é revelado a Belchior – justificação pela fé em Cristo. Após deixar o evangelho, escreveu a obra que lhe deu maior notoriedade… e dores de cabeça – o romance naturalista A carne (1888), que causou controvérsia por sua sensualidade crua e sua visão cínica da vida.

Paradoxalmente, como ressalta o autor e pastor Vicente Themudo Lessa, no final da vida Júlio Ribeiro teve “lampejos de fé”, orando com a filhinha Maria Júlia, confessando os seus pecados e falando com a esposa sobre temas religiosos. Certa vez em Capivari recebeu com alegria uma visita do Rev. Chamberlain e seu filho Joel estudou na Escola Americana no final dos anos 1880. Quando doente, recomendou a Belisária as Escrituras, citando o texto “Elas dão testemunho de mim” (Jo 5.39). Em 16 de janeiro de 1890, escrevendo ao Dr. Horace Manley Lane, primeiro dirigente do Mackenzie College, declarou: “Eu vou na mesma, ora melhor, ora pior, sofrendo sempre”. Concluiu com um pós-escrito em inglês muito revelador: “Always, always I trust in God” (Sempre, sempre, confio em Deus). Faleceu em Santos no dia 1º de novembro daquele ano, afligido pela tuberculose. Entre seus descendentes estão vários escritores: Elsie Pinheiro Lessa (esposa de Orígenes Lessa), Ivan Lessa, Sérgio Pinheiro Lopes e Juliana Foster.

Dr. Alderi Souza de Matos
Historiador da Igreja Presbiteriana do Brasil – IPB

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