Ruth See (1873-1960)
Ruth Bosworth See (1873-1960)
Notável educadora e evangelista em várias cidades de Minas Gerais
Ruth See nasceu no dia 12 de outubro de 1873 em Fort Defiance, Condado de Augusta, no belo vale da Virgínia (noroeste do estado, sendo Staunton a cidade principal do condado). Era a primogênita dentre oito irmãos. Seu pai era presbítero e foi por muitos anos secretário do conselho da histórica Igreja Augusta Stone, onde ainda bem jovem Ruth professou a fé em Cristo. Seus primeiros estudos foram feitos em casa, sob a orientação dos pais e de pastores cultos, bons livros e competentes governantas. Uma destas, Patsy Bolling, foi missionária por muitos anos na Coreia ao lado do marido, William D. Reynolds. Ruth estudou no Seminário Feminino de Augusta, mais tarde Colégio Mary Baldwin. A seguir, frequentou uma escola de administração e a Escola de Treinamento da Assembleia Geral. No Colégio Mary Baldwin, suas amigas íntimas pertenciam a famílias de missionários: Pauline e Nettie DuBose, cujos pais trabalharam na China, bem como Margaret (Mildred Welch) e Sarah, filhas do Rev. Edward Lane.
Após a formatura, Ruth ensinou como governanta em residências particulares, inclusive na casa de James Bell, em Longdale, Condado de Allegheny. Um de seus filhos era L. Nelson Bell, que se tornou um médico missionário na China e foi sogro do evangelista Billy Graham. Enquanto lecionava na casa dos Bell, Ruth foi nomeada missionária para o Brasil, em 6 de junho de 1899. Também ensinou por um ano no Orfanato Thornwell, dirigido pelo Dr. Jacobs, que lhe ofereceu essa colocação “como um curso preparatório para a obra missionária”. A experiência envolveu muito mais que ensinar. Ela cuidava de crianças de diferentes idades, noite e dia. Anos depois ela concluiu que o seu trabalho no orfanato, um trabalho de 24 horas, foi a sua melhor preparação.
Ruth partiu de Nova York no dia 5 de agosto de 1900. Veio para o Brasil na mesma época em que o Rev. Alva Hardie, sendo enviada pelo Comitê de Missões Estrangeiras da Igreja Presbiteriana do Sul, e dedicou toda a vida ao ensino. Em Lavras, tornou-se assistente da missionária Margaret Henry Youell e depois da morte desta, em 1905, sucedeu-a como diretora do Colégio Carlota Kemper, a escola para moças. Nessa função, granjeou a amizade e admiração de várias gerações de jovens brasileiras. Uma de suas muitas alunas foi a professora Inês Cavazza, que no final de 1912 casou-se com o Rev. Jorge Thompson Goulart. Em 1907, Ruth foi aos Estados Unidos e retornou no ano seguinte em companhia da missionária Harriette Taylor Armstrong, viúva do Rev. David Gibson Armstrong, que estivera ausente do Brasil por catorze anos. A partir dessa ocasião as duas educadoras trabalharam sempre juntas.
No início do século 20, as circunstâncias eram difíceis – recursos limitados, trabalho pesado e vida primitiva. O café era moído no pilão, a banha vinha da gordura derretida, o sal e o açúcar eram refinados na própria escola. A luz era fornecida por velas. Certa vez, ao limpar uma roupa manchada por cera de vela, Ruth comentou: “Felizmente não precisaremos de velas no céu”. Os colchões eram sacos de lona cheios de palha de milho. Nas férias, os sacos eram esvaziados, a palha era fervida e secada ao sol e os colchões eram lavados e enchidos novamente. Boa parte desse trabalho era feita pela própria Ruth, bem como lavar as janelas e esfregar o chão. Às vezes ela ficava sem o café da manhã a fim de ler a Bíblia para tia Ana, uma servente idosa, ou para cuidar de algum interesse da escola. Exausta ao anoitecer, Ruth se recolhia após o jantar, dormia até a meia-noite, e então trabalhava por duas ou três horas até que os insetos noturnos se aquietassem. Às seis da manhã já estava de pé, em plena atividade.
Em 1913, sentindo a necessidade de uma escola em outra região, Ruth e Harriette abriram um educandário para meninas em Bom Sucesso, a cerca de 30 km de Lavras, em uma casa oferecida pelo prefeito. Auxiliaram o casal Dr. Horace e Emma Allyn, que residia naquela cidade. Apesar das perseguições – e talvez ajudada pelas mesmas – a escola prosperou. Certa noite, em 1918, uma forte explosão assustou as crianças, mas Ruth calmamente as tranquilizou. Uma bomba havia estourado no telhado, felizmente numa hora em que não havia alunos nem professores no local. Houve manifestações contra os responsáveis clericais e o jornalista, Sr. Castanheira, fez um discurso pedindo aos norte-americanos que não considerassem aquele atentado como do povo de Bom Sucesso. Foi necessário que um policial guardasse a porta da casa todas as noites. Noutra ocasião, uma bomba foi encontrada no porão com o pavio parcialmente queimado. Esses atentados serviram para conquistar o apoio de algumas pessoas que até então haviam se mostrado antagônicas. Depois de sete anos de atividade (1913-1920), uma série de tremores de terra reduziu a população de tal maneira que a escola teve de ser transferida. A essa altura uma igreja havia sido organizada com 50 membros.
Diversas cidades pediram a escola e Campo Belo, situada entre Lavras e Formiga, acabou sendo escolhida. A escola iniciou suas atividades em maio de 1921 e no final do ano já havia matriculado 40 meninos e 49 meninas, sendo que doze destas eram internas. Ao longo do tempo, as educadoras compraram uma propriedade e implantaram um trabalho duradouro. A escola tornou-se a maior e mais importante escola primária do campo da Missão Leste do Brasil. Devido a problemas de saúde, Harriette teve de afastar-se em 1925 e os moradores de Campo Belo pediram que o seu nome fosse dado à instituição (Escola Evangélica Harriette Armstrong). Por volta de 1930, Ruth foi convidada para abrir uma escola em Nepomuceno, escola essa inaugurada em 8 de dezembro de 1931. Um grupo de homens cristãos da cidade (coronel José Custódio da Veiga, Jonas Veiga e Joaquim Garcia) construiu um edifício para esse fim e deu à escola o nome de “Ruth B. See”.
Após cinco anos frutíferos nesse local, chegou o momento de a missionária tirar suas férias na pátria, e ela concluiu que os evangélicos da cidade estavam em condições de assumir a direção da escola. A partir dessa época Ruth concentrou as suas energias em outras modalidades de serviço. A escola evangélica de Nepomuceno encerrou as suas atividades em 1945 e reabriu em 2001 com o mesmo nome – Escola Presbiteriana Ruth See.
Em 1938, após as merecidas férias, Ruth mudou-se para Formiga e se dedicou ao trabalho evangelístico que ela nunca havia negligenciado, auxiliando o casal John Marion e Myrtle Sydenstricker. Teve novamente a companhia da amiga Harriette, que havia voltado a trabalhar com a missão em 1936. Por quase quinze anos, Ruth foi o esteio da igreja presbiteriana local. Quando os Sydenstricker foram transferidos para Dourados em 1942, ela cuidou das necessidades espirituais da congregação e Harriette desenvolveu o trabalho feminino. Quando necessário, Ruth não hesitava em fazer o trabalho de zeladora. Deu aulas particulares de inglês, ganhando muitos de seus alunos para o evangelho. Um de seus livros-texto prediletos era The Christian Observer (“O Observador Cristão”), e ela muitas vezes analisava artigos religiosos com os seus alunos. No último período da sua vida, também foi redatora do apreciado jornal de propaganda evangélica O Evangelista, um mensário fundado pelo Rev. Alva Hardie que teve grande circulação por muitos anos. Ruth aposentou-se em Formiga em 1º de junho de 1947 (Harriette aposentou-se no mesmo ano), mas foi uma aposentadoria apenas nominal, pois os seus dias eram repletos de valoroso serviço.
Em 1953, a convite da Missão Oeste do Brasil, Ruth mudou-se para a cidade de Patrocínio, no Triângulo Mineiro, onde viveu sozinha em uma pequenina casa alugada, prosseguindo com sua vida cheia de atividades – aulas de inglês, visitas e produção de literatura. Por sete anos, cooperou com grande dedicação com a igreja presbiteriana daquela cidade. Tinha facilidade de escrever tanto em prosa quanto em verso. Foram muitos os hinos que traduziu para o português, bem como aqueles que ela mesma compôs. Em 1941, havia traduzido o conhecido hino “O Primeiro Natal” (Hinário Presbiteriano Novo Cântico, nº 231). Nas tardes de domingo, ensinava o catecismo às crianças em sua casa. Também promoveu um estudo do catecismo para toda a igreja.
Apesar do declínio da visão e de outros problemas, Dona Ruth continuou a trabalhar com O Evangelista. Depois de algumas cirurgias melindrosas, não pôde mais cuidar de si mesma. Passou os seus últimos quinze dias na casa do Rev. James Woodson, cercada dos cuidados solícitos de um bom médico, de duas enfermeiras e de todos os seus amigos íntimos de Patrocínio, especialmente Miss Frances Hesser. Faleceu num domingo à tarde, dia 26 de junho de 1960, aos 87 anos de idade e 60 anos de serviço missionário no Brasil. O serviço fúnebre foi presidido pelo Rev. Saulo de Castro Ferreira, auxiliado pelo Rev. Woodson. Quando faleceu, fazia 22 anos que a missionária não voltava à sua pátria. Identificou-se plenamente com o povo brasileiro. Clara Gammon escreveu: “As moças que ela educou às suas próprias expensas e às quais deu um amor de mãe; os meninos e moços aos quais orientou para uma vida de serviço cristão; as criancinhas que gostavam de ir à sua casa para visitá-la; os idosos e necessitados aos quais deu auxílio prático, bem como as Boas Novas do Salvador… Esses e muitos outros se levantarão e lhe chamarão bem-aventurada” [Pv 31.28].
Ruth não se casou, mas deixou muitas filhas na fé. Criou diversas moças, entre elas Nazaré Pimenta, que foi professora na Escola Erasmo Braga e no Instituto Bíblico Eduardo Lane, e Francisca Leão Souza, esposa de um evangelista em Goiás. Deixou um irmão, o Rev. Dr. Robert Gamble See, nascido em 15 de agosto de 1878, que trabalhou por alguns anos como missionário no Brasil, bem como uma irmã e alguns sobrinhos, todos nos Estados Unidos.
Bibliografia
Júlio A. Ferreira, História da IPB, vol. I, p. 500; vol. II, p. 77, 203, 248, 364; Jaime Woodson, “D. Ruth See”, Brasil Presbiteriano, set. 1960, p. 7; Maria de Melo Chaves, Bandeirantes da Fé, p. 72s; Bear, Mission to Brazil, p. 27, 106, 108, 119, 133, 137; Clara G. M. Gammon, “Miss Ruth Bosworth See: 1873-1960”, In Memory of Missionaries of the Presbyterian Church, U.S., Who Have Entered into Rest in the Years 1960-1961, Vol. VI, Nashville: Board of World Missions, 1962, p. 35-37; Silva e Silva, Igreja Presbiteriana de Araguari, p. 58-60, 66s.
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