À Minha Voz, ó Deus, Atende (Salmo 5)
À minha voz, ó Deus, atende (Salmo 5)
Metrificação: Clément Marot (1496-1544)
Tradução: Manoel da Silveira Porto Filho (1908-1988), 1956
Melodia: Louis Bourgeois (1510–1561) para o Salmo 5 do Saltério de Genebra, 1542.
OS CALVINISTAS NA BAÍA DE GUANABARA. O PRIMEIRO CULTO EVANGÉLICO NO BRASIL. OS SALMOS
NICOLAU DURAND DE VILLEGAIGNON (1510-1571), Cavaleiro de Malta e Vice-almirante da Bretanha, por desgostos em sua carreira e muito amor às aventuras, desejou tentar fortuna em terras brasileiras cujos encantos e possibilidades ouvira enumerar. Astucioso, procurou interessar ilustres personalidades francesas, entre as quais o Almirante GASPAR DE COLIGNY (ao tempo, muito chegado ao Rei HENRIQUE II), na fundação de uma França Antártica em terras do Novo Mundo, sob a alegação não só de estender os domínios da França, como também, de preparar um seguro refúgio para quantos quisessem escapar às terríveis perseguições religiosas que, então, sofriam os huguenotes.
Bem-sucedido em seu intento, recebeu a ajuda real, conseguiu persuadir pessoas honradas a acompanha-lo e aliciou os indispensáveis marinheiros e artesãos, entre os quais não hesitou em incluir condenados das prisões de Paris e Ruão.
Chegou VILLEGAIGNON à Guanabara em 1555. Instalou-se a princípio da Ilha Ratier, atual Fortaleza da Laje. Transferiu-se posteriormente para a Ilha de Serigipe, mais tarde denominada Villegagnon[1], a cujo Forte por ele construído deu o nome de Coligny, em honra ao seu protetor.
Cedo percebeu-se o Vice-almirante o erro que cometera em trazer na expedição indivíduos criminosos que não tardaram a provocar motins. Para mais rapidamente fazer crescer a colônia e ter a certeza de que o seu fortalecimento se faria não apenas em número, mas mediante aquisição de elementos de sólida formação moral e religiosa, reiterou às autoridades competentes e à Igreja Reformada de Genebra, na pessoa de JOÃO CALVINO, o convite previamente feito para enviarem ao Brasil artesãos práticos nos seus ofícios, pessoas bem instruídas na religião cristã, e pastores que a eles doutrinassem, e aos colonos e selvagem mostrassem o Caminho da Salvação.
Dando graças a Deus pela oportunidade que se oferecia, a Igreja de Genebra, reunida em Assembleia resolveu enviar dois pastores – PEDRO RICHIER e GUILHERME CHARTIER – e mais alguns correligionários: PEDRO BOURDON (excelente torneiro), MATEUS VERNEUIL, JOÃO DU BOURDEL, ANDRÉ LAFON (alfaiate), NICOLAU DENIS, JOÃO GARDIEN (perito retratista), MARTIN DAVID, NICOLAU RAVIQUET, NICOLAU CARMEAU, TIAGO (JACQUES) ROUSSEAU e o jovem estudante para o ministério JOÃO DE LÉRY (1534-1611)[2]. Estes, chefiados por DU PONT (FILIPE DE CORGUILLERAY), partiram daquela cidade aos 16 de setembro de 1556. Estiveram em Chatillon-sur-Loing, onde ouviram a palavra encorajadora de COLLIGNY; passaram por Paris, onde o grupo foi acrescido de muitas pessoas inclusive alguns gentis-homens, entre os quais, possivelmente, TIAGO (JACQUES) LE BALLEUR[3] um dos protomártires do Evangelho no Brasil; dirigiram-se depois a Ruão, e, de lá, a Honfleur, na Normandia, de onde se fizeram ao largo em demanda do Brasil.
Esta comitiva, que além dos calvinistas incluía muitos católicos, aportou no Rio de Janeiro na quarta-feira 10 de março de 1557. Aqueles, ao pisar em terra, a primeira coisa que fizeram foi render graças a Deus por tê-los conduzido sãos e salvos ao destino. A seguir, recebidos por VILLEGAIGNON, expressaram-se a ardente esperança que os movera a tão longa e perigosa viagem: o estabelecimento, nessas paragens, de uma Igreja Reformada de acordo com a Palavra de Deus. Respondeu-lhes o Vice-almirante confirmando essa aspiração e ordenou com eles se reunisse toda a sua gente, nesse mesmo dia, numa pequena sala construída no meio da Ilha, onde o Pastor PEDRO RICHIER (ex-carmelita e Doutor em Teologia) foi convidado a realizar o primeiro culto evangélico no Brasil. Isto ocorreu no Forte Coligny, em plena Guanabara, aos 10 de março de 1557.
O versículo bíblico tomado por tema do sermão então proferido encontra-se em Salmos 27:4 – “Uma coisa pedi ao Senhor e a buscarei: que possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a formosura do Senhor e aprender no seu templo”. Antes, porém, em coro[4] uníssono[5], os fiéis calvinistas entoaram o Salmo 5: “Dá ouvidos às minhas palavras, ó Senhor” (Aux paroles que je veux dire, plaise-toi l’aureille prester[6] tal como fora preparado para o Saltério Huguenote, com metrificação de CLEMENTE MAROT e melodia de LUÍS BOURGEOIS, e até hoje se mantém nos hinários franceses[7] com as indispensáveis modificações inerentes à evolução da língua.
Por ordem expressa de VILLEGAIGNON, passaram a realizar-se preces públicas noturnas após o trabalho quotidiano, devendo os pastores pregar diariamente e duas vezes aos domingos. A Santa Ceia segundo o rito evangélico foi pela primeira vez celebrada no Brasil alguns dias depois, no domingo 21 de março de 1557. Em todos estes cultos entoavam-se Salmos, consoante o uso da Igreja Reformada.
É de notar-se que, nessa época, por iniciativa de CALVINO, já se achavam quase completamente postos em música os cento e cinquenta Salmos, empreendimento realizado em grande parte por LUÍS BOUGEROIS, Diretor da Música na Igreja de Genebra de 1545 a 1557 e um dos grandes mestres da música francesa no séc. XVI.
Esta realização foi posteriormente completada (1562) por outros colaboradores, entre os quais se destaca CLÁUDIO GOUDIMEL que, além disso, trabalhou a coleção completa dos cento e cinquenta Salmos três vezes – elaborando-os a quatro partes nota contra nota, e preparando-os sob a forma de moteto – tornando-os um verdadeiro monumento da música sacra francesa[8]. Não obstante seu grande valor de artista, GOUDIMEL foi sacrificado por sua fé em Lyon, no massacre de São Bartolomeu, em 1572.
Da autoria deste grande músico do Renascimento francês[9], aqui se apresenta o Salmo 5, em contraponto florido, sendo a metrificação portuguesa da autoria do Rev. Manoel da Silveira Porto Filho (1908-1988) produzida em 1956.
Henriqueta Rosa Fernandes Braga (In Memoriam)
Referências Bibliográficas:
-BRAGA, Henriqueta R. F. Música Sacra Evangélica no Brasil. Rio de Janeiro: Livraria Kosmos Editora, 1961
[1] Esta Ilha, hoje ligada ao Continente por uma ponte, toda a sua superfície ocupada pela Escola Naval e suas dependências. Futuramente, porém, com os aterros que ora se processam, ficará incorporada ao Continente.
[2] Em 1558, após inúmeras vicissitudes, JOÃO DE LERY voltou à Pátria onde, vinte anos mais tarde, veio a publicar sua afamada obra Viagem à Terra do Brasil (JEAN DE LÉRY. Histoire d’un Voyage faict em la terre du Brésil. La Rochelle, Antoine Chuppin, 1578), considerada pela crítica uma das melhores no gênero por sua imparcialidade, agudeza de observação e sabor do estilo. Dessa obra foram tiradas, pelo menos, sete edições francesas; dela se fizeram várias traduções para o latim (das quais a primeira foi: Historia navigationis in Brasiliam quae et America dicitur. Genevae, E. Vignon, 1586); em português assinalam-se a versão de ALENCAR ARARIPE, inserta na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; e a magnífica tradução de SÉRGIO MILLIET (JEAN DE LÉRY, Viagem à Terra do Brasil, Biblioteca Histórica Brasileira, vol. II. São Paulo, Livraria Martins, 1941).
[3] Vide ÁLVARO REIS. “Primeiro Culto Evangélico no Brasil” (O Martyr Le Balleur. Edição comemorativa do Quarto Centenário da Reforma. Rio, 1917. Nota ao pé da página 257). Cf. com DOMINGOS RIBEIRO. Origens do Evangelismo Brasileiro. Rio de Janeiro, Est. Graf. “Apollo”, 1937. P. 50, que informa ter LE BALLEUR vindo para o Brasil na primeira expedição.
[4] JEAN DE LÉRY. Viagem à Terra do Brasil… p. 77.
[5] CALVINO só admitia o canto congregacional em uníssono. Vide: ALEXANDRE CELLIER. “La valeur musicale des Psaumes de la Réforme française” (Protestantisme et Musique. Paris, Éditions “Je Sers”, 1950, p. 63); e ISAAC PICCARD. “La Musique dans le Culte Protestant” (ALBERT LAVIGNAC. Encyclopédie de la Musique et Dictionaire du Conservatoire. Deuxième partie. Technique, Esthétique, Pédagogie. Paris, Librairie Delagrave, 1929. Vol. 4, p. 2429).
[6] Metrificação de CLEMENT MAROT, em francês arcaico.
[7] Psaumes et Cantiques. Paris, Berger-Levrault, Éditeurs, 1895, p. 6.
Psautier Romand. Neuchatel (Suisse), Delachaux et Niestlé S. A. Éditeurs, 1937, p. 2, n.º 1.
Louange et Prière. Paris, Édittions Delachaux et Niestlé, 1939, p. 5, n.º 3. Edições mais recentes: 1945 e 1950.
[8] ALEXANDRE CELLIER. Ob. cit., p. 64 e 66.
ISAAC PICCARD. Ob. cit. Vol. 4, p. 2421 e 2429.
[9] CLAUDE GOUDIMEL. Premier Frasc. des “150 Psaumes” (Éd. De 1580). Psaume V, p. 105 (n.º XL) (Les Maitres Musiciens de la Renaissance Française. Éditions publiées par M. HENRY EXPERT. Paris, Éditions Maurice Senart, 1864).
À minha voz, ó Deus, atende (Salmo 5)
Metrificação: Clément Marot (1496-1544)
Tradução: Manoel da Silveira Porto Filho (1908-1988), 1956
Melodia: Louis Bourgeois (1510–1561) para o Salmo 5 do Saltério de Genebra, 1542.
1. À minha voz, ó Deus atende,
Pois noite e dia clamo a Ti.
Tão frágil sou, tão pobre aqui!
Magoada e só, minha alma arqueja
E te deseja.
2. Da vida e luz Tu és a fonte.
Em mim derrama o Teu poder!
Minha oração vem receber
Pois, de meu leito, o sol vigio
E em ti confio.
3. Não és um Deus que Te comprazas
No vaguear do pecador.
Bondoso e justo és Tu, Senhor!
E Teu favor jamais consentes
Aos maldizentes.
4. Meus pés, à luz de Teus caminhos,
Humilde e grato, inclinarei.
Tu és meu Deus, Tu és meu Rei.
Puro e sincero.
5. Teus filhos têm constante gozo,
Rejubilando em Tua paz.
De todo os guardarás,
Pois Tua lei, ó Deus conhecem
E te obedecem.
À minha voz, ó Deus, atende (Salmo 5)
Metrificação: Clément Marot (1496-1544)
Tradução: Manoel da Silveira Porto Filho (1908-1988)
Data da Tradução: 1956
Melodia: Louis Bourgeois (1510–1561) para o Salmo 5 do Saltério de Genebra
Data da Melodia: 1542
Referência Bíblica: Salmos 17.6
Sou Calvinista, meu nome é Giuliano Magno Tavares, 51 anos e estudo tudo sobre a Reforma Protestante. Também sou Bacharel em teologia. No Brasil ainda existem pessoas que não conhecem o calvinismo. Excelente trabalho de vocês. Continue. Soli Deo Glória.
Saudações…! gostaria muito de ter essa e outras partituras… Vc’s podem disponibilizar em pdf..???
Robson, a paz do Senhor!
Estava acompanhando a letra com o áudio e percebi que está faltando o 4o. verso da 4a. estrofe, e na 5a. estrofe está faltando a palavra “mal” de “De todo mal os guardarás”.
Que o Senhor te abençoe!
Excelente, vocês estão de parabéns pela riqueza de detalhes desta parte tão valiosa da história do protestantismo do Brasil.
Muito interessante, e os louvores bem sacros