João Wilson Faustini (1931-2023)
Rev. João Wilson Faustini (1931-2023)
Cantando na Glória
Na madrugada do domingo 26.02.2023, faleceu aos 91 anos, em Irati, no Paraná, um dos mais conhecidos, admirados e estimados personagens do mundo evangélico brasileiro – o pastor e musicista João Wilson Faustini.
Faustini nasceu em 20.11.1931 na cidade de Bariri (SP). Era filho de José Faustini e Ana Zamboni Faustini, e teve sete irmãos. Desde cedo, foi fortemente influenciado pelo casal Charles e Evelyn Harper, destacados líderes do Instituto José Manuel da Conceição (Jandira/SP), onde estudou sua irmã mais velha, Martha, que foi sua primeira professora de música. Quando tinha 8 ou 9 anos, o coral do instituto, no qual a irmã cantava, visitou a cidade de Pirajuí, onde a família estava residindo. O menino sentou-se num dos primeiros bancos do templo e ficou encantado ao ouvir o “Aleluia” de Händel e outros hinos. Aos 13 anos, já era o único organista da Igreja Presbiteriana Independente local.
Depois que a família se transferiu para Presidente Altino, em Osasco, na Grande São Paulo, o adolescente de 16 anos ingressou na 4ª série do Instituto JMC (1948). Dona “Evelina” organizou um departamento de música do qual também participavam Jaci Maraschin, Magali Marien, Célia Moraes e outros jovens. Incentivado pela grande mestra, uma exímia musicista, Faustini começou a reger o coral da IPI de Osasco, pastoreada pelo Rev. João Euclides Pereira.
Certa ocasião, foi convocado de improviso pelo Rev. Harper para substituir D. Evelina, que sofria de asma, na regência do coro do JMC, com mais de 80 cantores. Na hora que o grupo começou a cantar “Louva a Deus, ó Jerusalém”, ele pensou: “É isso o que eu quero fazer”. Em 1950, participou da Caravana Evangélica Musical, grupo de onze rapazes que se apresentou em muitas cidades, o que também enriqueceu a sua experiência musical. Usavam toga, grande novidade na época.
Observando o seu talento e progresso, D. Evelina prometeu-lhe uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, para onde ele seguiu em 1951. Fez o curso de bacharel em música no Westminster Choir College (Princeton, Nova Jersey), com especialização em canto e órgão. Participou do coral da escola e deu recitais de canto. Ao formar-se recebeu, dentre todos os formandos, o prêmio pela melhor composição de Natal para coro: “Only a Manger Cold and Bare”, mais tarde publicado em português com o título “Ele nasceu num pobre lugar”.
Regressando ao Brasil em 1955, lecionou no JMC e dirigiu seu departamento de música, como sucessor de sua mentora, com a qual continuou convivendo por vários anos. Quando se casou com Queila Costa, na 1ª IPI de São Paulo, Evelina regeu a música que ele compôs para a ocasião. Queila, também musicista, diplomada pelo Conservatório Musical de Araraquara, o auxiliou no Instituto JMC, onde ele, além de lecionar regência coral, dirigiu o coro e orientou a Caravana Evangélica Musical. Tiveram três filhos: Davi Marcos (1957), Valter Gerson (1959) e Paulo Eduardo Costa Faustini (1964)
Nessa época, Faustini foi ainda regente e organista da 1ª IPI, também conhecida como Catedral Evangélica de São Paulo (1955-1964). Organizou seminários de música sacra para regentes e organistas das igrejas evangélicas. Para poder lecionar em escolas superiores, cursou Canto Orfeônico e Canto no Instituto Musical de São Paulo e na Escola Paulista de Música.
Nota do Editor: LOUVOR PERENE” foi uma publicação interdenominacional, em formato de jornal, dirigida por Lida Knight, com a colaboração de Hora Diniz Lopes, Hope Gordon Silva, João Wilson Faustini, John Boyd Sutton, Joan Larie Sutton, Miriam Kerr Müzel de Matteo e Ruy Wanderley de 1968 até dezembro de 1980 (último número)
Seguindo para Nova York, fez o curso de mestrado, com especialização em composição, na Escola de Música do Union Theological Seminary (1964-1966). Tornou-se ministro de música e organista-regente da St. Paul’s Presbyterian Church (1964-1972), igreja de língua portuguesa e inglesa em Newark, Nova Jersey, para a qual compilou o hinário bilingue Seja Louvado (1972). Realizou estudos complementares no Seminário de Princeton (1967) e participou como tenor do grupo de ópera de Princeton (1967-1968). Lecionou nas escolas Avenel Junior High School, Cedarcroft Middle School e Northeastern Bible College, todos em Nova Jersey.
Retornando ao Brasil em 1972, reassumiu suas funções na Catedral Evangélica de São Paulo. Em 13.04.1975, foi ordenado pela IPI como o primeiro pastor de música sacra do Brasil. Dirigiu o departamento de música da Faculdade de Teologia da IPI e lecionou nas Faculdades Alcântara Machado e Santa Marcelina.
Seguindo pela terceira vez para os EUA, pastoreou por catorze anos a Igreja St. Paul’s (1982-1996), onde havia sido ministro de música. Foi jubilado no final de 1996 e recebeu dessa igreja o título de pastor emérito. Desde esse ano até 2006, serviu como organista e regente do coral da 2ª Igreja Presbiteriana de Elizabeth, em Nova Jersey. Iniciou nessa região a Millennium Presbyterian Church, para a comunidade de língua portuguesa.
A partir de 1988, passou a vir ao Brasil anualmente a fim de dirigir seminários de música sacra para regentes, coristas e músicos. Esses seminários levaram seus ex-alunos a criarem a Sociedade Evangélica de Música Sacra (SOEMUS), da qual se tornou patrono. A cada ano, durante o seminário, lançava uma nova coleção de músicas sacras inéditas em português, compiladas por ele mesmo. Assinou muitas de suas traduções com o pseudônimo J. Costa.
Revelou-se profícuo compositor em muitas coletâneas de hinos. Produziu e difundiu, por meio da Publicação Coral Religiosa Evelina Harper, coletâneas de hinos e de músicas avulsas, com arranjos, adaptações, traduções, letras e composições próprias de músicas para todo o ano litúrgico. No início da carreira, lançou cinco volumes da coleção Os Céus Proclamam (1957-1964), com adaptações, arranjos e produções originais de vários autores, inclusive suas, como “Deus na natureza”, Mocidade, sempre avante”, “A Bíblia”, “Natal brasileiro”, “O anjo da paz”, “Tudo é festa”, “Abrigo” e “Introito”.
Mais tarde vieram a lume as coletâneas Ecos de Louvor (10 vols.), Louvemos a Deus (3 vols.), Sempre Louvarei, Três Motetos para a Páscoa, O Reino Dividido (cantata), Ciclo do Advento, 25 Hinos Novos para um Novo Dia e outros. Colaborou no Hinário para o Culto Cristão. No final de 2020, os hinos que havia publicado somavam aproximadamente 1.200. Também publicou os livros Música e Adoração (1973, 1996) e Música e Teologia Hoje (1980).
Foi membro vitalício da “Hymn Society of the United States and Canada”. Publicou pela editora Wayne Leupold quatro volumes de uma coleção de composições brasileiras para órgãos de tubo intitulada Brazilian Organ Music. Ainda publicou três coleções de músicas de hinos próprios: “When Breaks the Dawn: Hymns from Brazil (2006), “Adoro Te Devote” (2015) e “The Heavens are Telling” (2015).
Colaborou com Gracia Grindal em A Treasure of Faith: Lectionary Hymns, New Testament Series A (2015). Promoveu oficinas de canto coral e se apresentou como cantor, regente e organista em Filadélfia, Nova York, Newark, Evanston, Princeton, Elizabeth, Birmingham e Fall River.
O Hinário Presbiteriano Novo Cântico contém muitas contribuições suas nas áreas de composição, tradução, metrificação, revisão, arranjo e harmonização: “Deus dos antigos” (18), “Deus do infinito o Criador” (25), “Cantai alegremente” (55), “O bom pastor” (151), “Clara luz” (188), “Se amarga for a vida” (190), “A ti hosana e glória” (255), “Ó filhos, vinde aqui cantar” (271), “Povoam as cidades” (302), “Intentos de Deus” (316), “Deus do universo” (328), “Ao fim dos estudos” (353/2), “Eis a Bíblia” (369), “A lei de Deus proclamai” (370), “A cidade, ó Deus, protege” (381) e “Perfeito amor” (394).
Retornando definitivamente ao Brasil em 2006, foi residir na pequena Irati (PR), onde viveu seus últimos anos. Foi maestro do coral “Gaudeamus in Domino”, da Associação Coral Iratiense. Em 2020, no início da pandemia de Covid-19, compôs “O mundo inteiro geme” (hino para o tempo de crise). Seu aniversário (20/11) foi escolhido pela IPI como o “Dia do Músico Evangélico”. Seu nome foi dado ao coro da Catedral Evangélica de São Paulo. Doou parte do seu acervo à biblioteca da FATIPI.
O amigo Roberto Torres Hollanda (Rolando de Nassau) declarou: “O segredo do desenvolvimento intelectual e cultural de Faustini estava no fato de que ele tinha um projeto de vida bem definido e um foco do qual não se afastava. Por causa de sua tenacidade e resiliência, ficou conhecido como um regente excepcional”. Teve como discípulos os maestros Zuínglio Faustini (seu irmão), David Machado, Luiz Roberto Borges, Lutero Rodrigues e Parcival Módolo, e as organistas Dorotéa Kerr e Elisa Freixo.
Pela quantidade e qualidade de suas obras como regente de coral, organista, cantor, compositor, tradutor, arranjador e editor da maior coleção de música sacra evangélica em língua portuguesa, ele merece ser considerado um dos mais destacados músicos evangélicos do Brasil. Seus hinos estão presentes nos hinários das mais diversas igrejas do Brasil e do exterior. Sempre modesto e acessível, apesar da condição de maior nome da música sacra evangélica do Brasil nos dias contemporâneos, o maestro Faustini está agora cantando na presença do Senhor, a quem tanto honrou com sua vida e talentos.
Dr. Alderi Matos
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